Ninhá!
E de repente sentiu um conforto. Destes que acalmam, que confortam a alma da gente. Quente e aconchegante como um abraço verdadeiro e forte. Estava ali. Seca, aquecida. Sentia-se protegida.
Pensou na efemeridade das coisas, nas decepções que tivera até ali. Mas nada, nada importava. Ora, já haviam passado! E se eram passado, lá devem permanecer. Com o passado se aprende, mas revivê-lo é perda de tempo!

Uma lágrima escorreu pelo seu rosto. No passado ficaram lembranças, momentos inesquecíveis. Sorriu: momentos que por mais singelos que foram, mudaram-na para sempre. Lembrou de cada pessoa que passou por seu caminho. Pessoas com as quais queria ter amizade, mas não era parte do destino que tivessem. Amores platônicos. Amigos que não eram tão amigos assim. Pessoas que não mereciam o nobre título de amigo.

Enumerou os amores. Não foram muitos. Ao contrário: poucos foram os que ocuparam um espaço digno de príncipe no coração dela. Mas ora, amor mesmo não se encontra em cada esquina. Pensou melhor. Pensou mais. E concluiu que os platônicos, até o momento, foram os mais intensos e dolorosos deles. Mas os mais deliciosos e com requintes de magia também. Até o momento.

Lembrou de momentos tristes. Decepções. Como não havia ouvido seus pais? Como não havia notado a inveja, o ciúme e o ódio em olhares travestidos de doçura? Doçura não! Jamais! Olhares de dissimulação, de falsidade. A doçura não... A meiguice não... Concluiu que hoje, certamente sabe diferenciar melhor e identificar olhares. Passou a ser uma especialista.

Concluiu que alguns sons a despertavam. Ou despertavam sensações diferentes nela. A doçura da voz da mãe. A firmeza da voz do pai. A doçura do irmão. A voz de destaque da prima-mãe. A voz sóbria da prima-amiga. A estridência da Thaís (Rá!). A divertida voz da Mandão. A voz que de longe ela reconhecia da Marii. A voz séria e doce do Roddy. A grave voz do Micael (e sua risada contagiante). A aveludada e por vezes rouca voz dele.

Lembrou dos recentes choros. E por quem eles eram. E concluiu que a maioria das pessoas por quem havia chorado, não merecia tanto choro, tanta lágrima, tanto sofrimento. Definitivamente não mereciam. Definitivamente. E doía lá no fundo ainda. Era involuntário. Mas não valia a pena. Aliás, nunca valeram. Só causaram dor, destruição, solidão e sofrimento. Como, então, ela poderia chorar por pessoas e causas tão vazias?

Respondeu a si mesma: porque era tudo verdadeiro. O que ela sentia era verdadeiro. E não importava o que dissessem e o que fizessem. Se ela se magoava, era porque ela era verdadeira. Seus sentimentos eram verdadeiros. E era isso que importava. Nada mais.

Mas cada sorriso... Ah! Cada sorriso, risada ou gargalhada! Muitas vezes censurada pelo momento ou simplesmente por pessoas incapazes de compreender sua alegria. Ou até mesmo de aceitá-la. Mas mesmo censurada, ela sorria divertidamente por dentro.

Pensava tudo isso de olhos fechados, deitada embaixo de sua árvore predileta. Ao lado, ele. E de repente ela queria que todos que amava estivessem lá. Mas só ele estava. E engraçado como tinha se habituado à presença de alguém para se deitar e/ou dormir. Ele, a mãe, o Pequeno Príncipe, o MicAnim, o Alex, o Bud... A sensação de conforto vinha sempre da junção de seu corpo com o de alguém especial (ou algo representando esse alguém).

Estranho era o momento de silêncio entre os dois. Estranho é qualquer momento de silêncio que a envolva. Tão falante como é. Mas no seu silêncio, conversava consigo mesma.

Sentiu escurecer. Abriu os olhos. Lá estavam os olhos levemente claros do amigo.
 
 
- Duvido que você me alcança.
 
 
E correu. Correu por entre as árvores. Ela? Ela só ria. Sorria. Feliz.



"Ah como recusavam a sua densidade, como supunham ultrapassá-la quando, na verdade, nem sequer chegavam à sua periferia."
Caio Fernando Abreu